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CONEXÕES
Antônio da Cruz

Dentro do Projeto Conexão Artes Visuais 2010, que é uma das ações do Ministério da Cultura/Funarte/Petrobras para interligar os diversos locais das artes visuais no Brasil, abriga-se o projeto “Artes Visuais Sergipe: Conexões 2010”, da Sociedade Semear. Ele conta com uma vasta programação na qual incluem exposições, lançamento de edições literárias e palestras pertinentes ministradas por personalidades do mundo das artes visuais brasileiras.

No Anexo da Galeria Jenner Augusto, na Sociedade Semear, acontece “Junto de Oito”, (que, alias, poderia ser “Quatro Juntas”, numa sugestiva alusão à formação de 4 duplas). Esta expressão ampla abarca Alan Adi, Elias Santos, Cláudia Nem, Fábio Sampaio, Jamson Madureira, João Valdenio, Marcos Vieira e Marly numa amostra das suas mais recentes produções.

Destacamos os trabalhos de três dos expositores, que se arbitrariamente chamarmos de "experimentos visuais," suas obras, não estaremos distantes do acerto. E todos vão além da aparência simplista. São antes de tudo concepções fundamentadas que resultam, na maioria, em instalações de pequeno e médio porte. Nesta exposição encontramos vídeo arte, objetos prontos e outros, concebidos, como sugestivas embalagens, material reutilizado, além do recurso da metalinguagem.

Logo na entrada visualizamos a obra “500 gramas de 1 metro cúbico”, de Alan Adi. São pequenos balões inflados que sugerem estar flutuando sobre uma balança. O artista põe sob especulação além do peso, todo um conjunto de elementos a ele associados pelos nossos sentidos como massa, volume, pressão, força, substância e o entorno que, de alguma maneira, sofre influência. É, portanto, enquanto tema um assunto universal.

O artista visual lida todo o tempo com estas variáveis, seja quando interfere plasticamente na forma, e para isto carece imprimir uma força (ou pressão) sobre uma massa disforme, bloco, (que se constituem de substâncias diversas), ou um objeto pronto, de modo a alterá-los conforme seu desejo ou objetivo; lida com os volumes, o que implica em manusear as três dimensões, (3D=largura, altura e profundidade) no espaço, tendo de apresentar seu resultado sob o aspecto de peça única (escultura) ou instalação, por exemplo.

A essência da idéia em “500 gramas de 1 metro cúbico” consiste no quê a ciência nos ensina: toda matéria tem massa e o peso depende da aceleração da gravidade. “Essa instalação evoca sentidos simples de toda matéria, de todo objeto, de todo ser vivo ou morto que é a questão do peso. A gravidade atua nos corpos que estão ocupando qualquer espaço ao nosso redor: isso parece ser óbvio, mas o sentido nessa obra é poetizar essa obviedade através de objetos que recordam o elemento ‘peso’ em sua existência, sugerindo a dualidade dessa força”. Esta é uma dica que nos dá o artista para a leitura da sua obra.

Para os seus “experimentos” Alan usa como ponto de partida os próprios objetos, dado o fato de ele ser um dedicado leitor desses manufaturados seres inanimados. O artista dialoga. Para tanto, capta a sensualidade da volumetria, o desenho formal, a textura das superfícies que seus artefatos estudados lhe comunicam e ele os explora conforme a necessidade. Da sinergia nascida do diálogo sensorial, com ênfase no visual e tátil, Alan Adi conclui que os objetos os escolhe como canal para traduzir, de forma menos reducionista, a animação potencial neles existente. Ele compara tal situação à relação com um instrumento musical e diz: — “Conheço pessoas que, apesar de treinos e mais treinos não conseguem conhecer as particularidades de seu objeto de estudo; o instrumento é quem escolhe o instrumentista, e isso não tem nada a ver com um endeusamento do artista, mas sim com a sua habilidade e sensibilidade poética”.

Aparentemente esta sua obra tende ao minimalismo pela simplificação da composição, porém, ao observador, o artista sugere ver mais do que objetos isolados. Sim, nessa obra a balança e os balões são exatamente o que são, todavia, entre a metáfora, o simbolismo e a reprodução realista, o espectador deve encontrar um sentido para o conjunto, mesmo que sua leitura e conclusão não comunguem com as do artista.

Seguindo em ordem alfabética, temos Elias Santos, para quem "A arte é o fim de si mesma. Ela não tem compromisso com idealismo, religião, política e moralidade”. Este aforismo é defendido universalmente por muitos artistas, principalmente quem, como ele, exímio desenhista, gravador e pintor, vive em contato íntimo e permanente com a arte contemporânea. Tal visão nos leva a compreender que, cabe no universo das artes desde qualquer representação secular do real aos mais subjetivos e incongruentes experimentos efêmeros, sem que se respaldem nos valores acima citados. Genericamente arraiga-se esta visão ainda que outras vertentes pensem contrariamente.

Elias vem, há muito, explorando o que ele considera uma poética de extremo rigor e coerência entre a fragilidade de materiais como espuma e papel - categorizados como filtros - e as linhas que lhe dão forma, aparência, estética.

Dentro da Série “Absorvidos”, Elias desdobra-se e enfatiza “Filtros”, obra em exposição que, num esforço ambíguo, valoriza o desenho (a linha), enquanto nega a imagem esteticamente “perfeita”- (a forma), questionando os próprios limites do pensar e fazer artístico. Elias já ousou mais em “A cor do osso”, uma anticanônica exposição, na qual, ossos constituíam sugestivas instalações para questionar valores estéticos, morais e até espirituais.

No território ilimitado da criação artística nada é fácil e fútil. Enfrentar o óbvio requer trabalho duro e para tal há de se fazer calo no cérebro. Ainda que não seja por excelência um teórico, o artista contemporâneo precisa de, no mínimo, um argumento para se lançar a desafios visuais. “Percebo no filtro um universo com inúmero acúmulo de resíduos simbólicos onde os títulos das obras dão pistas do que realmente me proponho a dizer com a obra. Busco nesse sentido, extrair respostas para o porquê do uso da espuma, material que absorve quase tudo, assim como a vida e a morte”, enfatiza filosoficamente o artista.

Elias se apropria de produtos industrializados pós-utilizados para viabilizar seus experimentos. São peças ou objetos, que, no mundo contemporâneo têm o tempo de suas vidas úteis pré-determinado. Pode ser por meses ou segundos, a exemplo dos filtros de automóveis, as pessoas também são absorvidas pelos compromissos e assim fazem amizades instantâneas com validade efêmera.

“Absorvidos”, pois, como marco significativo da produção atual de Elias, nos leva a compreender que estamos imersos neste universo onde deixamos sinais da nossa passagem nos dias que pensamos absolver, mas eles nos absolvem; as inquietações questionadoras que nos consomem e as respostas absorventes; enfim, os filtros e seus prazos de validade nas máquinas que, sendo descartados, tornam-se, em suas mãos materiais/símbolos de um tempo e de provocativas expressões artísticas.

O terceiro comentário é sobre a instalação de Marly, que é uma artista à qual se aplica uma tese: a das três categorias de idades, sendo a biológica, a mental e a artística. Conhecemos bem as duas primeiras idades. A terceira, que independe das duas, é o momento indeterminado quando nos descobrimos com habilidades artísticas até então desconhecidas. Marly se revelou após a aposentadoria, como funcionária pública da assembleia Legislativa, nos cursos de desenho e pintura, ministrados pelos artistas Elias, Silveira e Fabião.

Das aquarelas, movida pela vontade de adquirir conhecimento e aperfeiçoamento – “sem pretensões de estrelato”, como afirma, Marly partiu para experimentar diversas técnicas e perseguiu temas que lhe foram caros como “Os fantasmas”, uma Série marcante. Publicamente dona de um bom humor, ela dissecou o tema e expurgou seus próprios conflitos. “Foi a única maneira de exteriorizar o que me deixava aflita. Fiquei livre deles (dos seus fantasmas), e ainda me diverti”. Seu trabalho amadureceu, foi primeiro lugar no Décimo Primeiro Salão dos Novos com a obra FANTASMAS DE MARLY, afinal, não existe idade para começar e obter méritos pelos feitos.

Enquanto os seus amigos, colegas e admiradores estavam se acostumando aos seus fantasmas, Marly surpreendeu a todos com uma nova série, “Guarda-Chuvas”, curiosamente antes de surgir na 27ª Bienal de Arte de São Paulo (2006) a instalação “Cânone”, do artista plástico baiano Marepe: uma imensidão de guarda-chuvas suspensos que pendiam do teto sugerindo agrupamento na mega exposição bianual que tinha como tema “Como viver junto”.

Inquieta e provocativa, Marly usou seus guarda-chuvas aplicando-lhes texturas como suporte de gravuras; também já ficaram de ponta-cabeça, enfim, deu-lhes aparências e arranjos os mais inusitados possíveis, colocando-os como elementos questionados e questionadores dos valores estéticos. Suas iniciativas nos convenceram que, em suas mãos, mais um objeto perdeu o seu pobre utilitarismo ao ser desmaterializado e reinventado com o status de obra de arte.

Na exposição “Junto de oito” a artista apresenta a instalação “Sem e com pano”. Nela, seus guarda-chuvas são seccionados, conectados, as hastes subtraídas e substituídas por barras de aço enroscadas, como a sugerir cambialidade; alguns, desnudos. Suas estruturas como ícones estão exibidas em caixas/nichos untadas de óleo para serem criticamente visualizados.

Há nas obras a conectividade com os valores visuais em voga. Isto quer dizer que, a arte praticada pelos artistas desta mostra dialoga adequadamente com a contemporaneidade universal.

Fonte:
http://www.cinform.com.br/blog/antoniodacruz

Ultima Atualização: 21/12/2010

 
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