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Cezar Britto

29/05/2006, 07:43





A todo instante repetimos, inconscientemente, frases prontas, poesias fantásticas, chavões populares ou simplesmente citações embaladas anonimamente pelo vento. Quando delas nos apropriamos, não raro, encontramos a receptividade companheira do nosso interlocutor, também ele conhecedor e sensível ao poder das palavras universais. É estranho não sorrir diante de um bordão extraído de um programa humorístico, assim como é difícil não esboçarmos qualquer reação diante de uma canção que fez marcar a nossa infância, namoro ou um amigo dileto. É improvável não se quedar, querer, desejar ou se sentir querido diante da universalidade poética do “eu te amo”. Realmente é impossível se fazer surdo ante as palavras ou ações que as tornam vivas.



A faceta ambivalente das palavras também é fantástica, pois elas são ditas ou recebidas em função dos conceitos e preconceitos dos personagens envolvidos, mesmo quando utilizados os mesmos sons e grafias. Exatamente por isso é importante situar o contexto da palavra empregada, evitando, assim, confusões desnecessárias, mesmo porque “os olhos só enxergam o que querem ver”, muito bem adaptado para “os ouvidos tão-somente escutam o que querem escutar”. Não por coincidência este é um dos chavões mais utilizados no polêmico filme “O Código Da Vinci”, baseado no explosivo livro homônimo de Dan Brown, que tanto para elogiar ou destruir o conteúdo da sua obra. .



E dentre este imenso rol de frases, poesias, chavões e citações uma tem se destacado de forma curiosa nestes agitados dias, mesmo porque repetida para ilustrar situações complemente diferentes. A frase que tenho escutado com certa repetência, já adiantada no título, pode ser resumida na velha e querida “no meu tempo era diferente”, dita com algumas variações genéticas. Aliás, cada vez mais pronunciada nos cantos e recantos que comumente freqüento, ainda mais quando o “meu tempo” está cada vez mais alargado pelo rápido avançar da idade. E como a idade, o saudosismo e a licença poética não pertencem a uma pessoa, o “no meu tempo era diferente” se espalha continuamente sem exigir paternidade.



“No meu tempo era diferente, eu saia pelas ruas da minha cidade, livre para brincar, empinar pipas, trocar figurinhas e jogar bola, enquanto meus filhos, hoje, ficam presos e isolados em casa, apenas com a presença de amigos virtuais”. “No meu tempo a política era exercida de forma diferente, era exercida com palavras e compromissos partidários, ninguém ficava mudando de partido, agora os políticos se assemelham a um bando de macacos que pulam de galho em galho em busca de rendosos galhos de dólares”. “No meu tempo as pessoas podiam comprar mais coisas com o salário, eu comprei a casa que moro com o suor do meu trabalho, se começasse agora o meu dinheiro sequer dava para comprar o banheiro da casa”. “No meu tempo São Paulo era um paraíso” “Na minha época o namoro era mais sério”. “No passado amigos eram mais amigos”. “Eu já fui bom nisso”. Eis algumas das frases desabafos e bazofias que escutei de vizinhos, políticos, aposentados e trabalhadores, amigos ou não.



E não se pode negar o conteúdo reflexivo que a frase causa em todos nós. Afinal, qual o verdadeiro sentido da diferença havida no “meu tempo”, tornando-o tão especial quando comparado ao tempo hoje vivido? O que fiz de positivo ou negativo nesse “meu tempo”? O que a geração que agora nasce poderá dizer do “seu tempo”? O que nós próprios diremos daqui a dez, vinte, trinta ou quarenta anos em relação aos “novos tempos” que surgirão? Será que o “tempo do futuro” fará diferente o “tempo do presente”?



Realmente são indagações de respostas difíceis, complexas e sem soluções razoáveis no “tempo presente”. Não poderia ser diferente, pois o tempo tem a evolucionária função de modificar, extinguir, aperfeiçoar ou mesmo fazer regredir conceitos. É impossível saber no futuro qual será o sentido a ser empregado para a frase “no meu tempo era diferente”. E como o “futuro a Deus pertence”, outra expressão padrão, o imponderável ainda tem um forte ingrediente religioso, tumultuando qualquer resposta sobre o tema.



Contudo uma certeza não se pode afastar, o “tempo presente” é quem servirá de parâmetro para o “tempo futuro”. Quando formos convocados a falar do “nosso tempo”, pouco importa a época, somente poderemos dizer que fora “diferente” se a construção desta diferença começar agora. Afinal, todos os nossos quereres, erros, acertos, medos, ousadias e outras ações praticadas no hoje, voluntários ou não, são os alicerces que manterão firme, no futuro, o “Edifício da Vida”.


FONTE: Cinform/Infonet - Ultima Atualização: 28/12/2010

 
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