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Caminhadas
Cezar Britto

02/01/2006, 06:30





Por recomendações médicas e pressões familiares, o ano começou me flagrando em plena caminhada. Era o cumprimento de uma velha promessa de cuidar da minha saúde, sempre adiada por estar cuidando de outras coisas tidas como prioritárias. Desta vez eu estava decidido a seguir as pegadas firmes dos que enxergam no hoje uma forma de caminhar com segurança nas trilhas do futuro.

Desta vez, animado, procurei planificar o projetado percurso, escolhendo a praia como cenário principal, mesmo porque não há pedaço de terra mais apropriado para caminhadas do que as areias de Aracaju. Utilizando-me do carro, marquei a quilometragem recomendada, achando até que seria extremamente agradável o exercício diário a ser testemunhado pela estrela solar. E assim, tendo o mar como companhia, pisei fundo na carinhosa areia que me recebia.

Ao iniciar a jornada, eu estava, no balançar das ondas, também afundando a absurda desculpa que utilizava sempre que indagado sobre a razão de não ser adepto de caminhadas. Dizia que não o fazia porque, observando os caminhantes, havia chegado à conclusão de que tal atividade física não passava de uma boa propaganda enganosa, pois visivelmente prejudicial à saúde. É que, zombando dos meus insistentes interlocutores, provocava-os dizendo que “caminhar engorda, pois todos os andarilhos que conheço estão fora do peso, inclusive nós dois”.

Pisando no solo firme da praia, confesso que a minha disposição atlética arrefeceu. Não poderia ser diferente, pois, de imediato, percebi que o percurso velozmente marcado via automóvel seria penosamente percorrido sem o auxílio da máquina criada para dar conforto ao homem. Mais ainda, que o alvo escolhido como limite parecia exageradamente distante, pouco lembrando o que fora anteriormente apontado como percurso ideal. Eu estava diante de duas realidades, uma vivida pelo sedentário condutor de um veículo confortável e a outra a ser vivenciada pelo transeunte desacostumado a andar sobre os próprios pés.

Talvez seja este o dilema inicial enfrentado por todos os caminhantes, ter que decidir entre a comodidade do ficar ou a ousadia do partir. Curtir o presente ou deixar para o depois? Meu corpo agüenta caminhar tanto ou devo apenas andar um pouquinho agora, fortalecendo-o por etapa? O porto seguro da minha cama ou o risco de ser assaltado ou mordido por cachorro vadio? Enfim, questionamentos que se propagam em centenas de outros, exigindo respostas imediatas e que, quando retardadas, provocam o término do próprio horário destinado à caminhada, cansando qualquer tentativa posterior de resposta.

Como estava determinado a seguir em frente, ao menos nesse primeiro dia, resolvi enfrentar o desafio, mesmo porque estava decidido a buscar as respostas durante a própria caminhada. A paisagem, entretanto, me fez esquecer do prometido e da própria necessidade de atingir a chegada. Era o vozeirão do mar a exigir a minha atenção, antes desviada pela alegria dos pássaros a catar os diminutos alimentos por ele gentilmente oferecidos. Pensei, inclusive, que sol, enciumado pelo que entendera como paquera do atrevido mar, fez brilhar o seu quente olhar sobre a areia, que parecia retribuir reluzente o carinho recebido. E eu, voyeur involuntário desses desatinos amorosos, inesperadamente cheguei ao meu destino, completando a caminhada.

E assim, por ter chegado imperceptivelmente ao meu destino, compreendi a grande mensagem daquele dia. Não era simplesmente relembrar aquele velho bordão que afirma somente chegar aquele que ousa partir. Tampouco estava a se dizer que a chegada é a única razão da partida. Ao contrário, a chegada era até um personagem secundário na caminhada, pois os grandes personagens estavam espalhados pelo caminho.

Assim, comecei o ano compreendendo que para chegar a algum lugar, qualquer que seja, é preciso viver o caminho. Sentir o percurso, respirar o ar que nos cerca, perceber os detalhes que surgem e as pessoas que nos acalentam. Quanto à chegada, deixe-a acontecer no momento em que for acontecer, sem pressa ou receio de chegar. Aliás, a vida ensina que ocorrem várias caminhadas durante uma caminhada, é só seguir a trilha do coração.

FONTE: Cinform/Infonet - Ultima Atualização: 28/12/2010

 
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